De tempos em tempos refletia sob a
luz um vazio da qual não tinha nome. Vagava sob o tempo uma mente inquieta e
pouco contente. O tempo voltava em forma de lembranças boas do passado.
Recordava as músicas, lembrava o rosto, gestos sinceros. Na época não conhecia
o significado de vazio, nem ao menos conhecia a palavra inquietude. Percebia
apenas o medo que sentia. Tal sentimento cego e desprovido de sensatez
aparentava frieza, mas não. Não era nada disso. Ele nunca entenderia, mas nem
mesmo o amor, nem isso a faria ficar. Trinta dias passaram deixando só as
dúvidas, interrogações em forma de reticências, situações mal resolvidas. Com o
tempo a aparente frieza foi congelando o acaso e já não havia mais calor nos
dias vividos. Em meio às chuvas de dezembro ele se foi para não mais voltar.
Enquanto ela escolhia seu caminho e esperaria o vento soprar. Nas fotos, nos
versos buscava entender onde havia errado. Lembrou-se do medo. Tentou após anos
explicar. Estariam ambos mais experientes e pacientes. Entenderia desta forma?
Perguntou. As respostas vieram devagar. Mas enfim chegaram. As lembranças
preencheram o vazio e com ele foi-se o medo. Estranho. Durante bom tempo ambos
realizavam-se em outros planos, aspiravam outros desejos, procuravam, fitavam
outros rostos a preencher seus vazios. E exatamente após onze anos ali estavam.
Ambos sorrindo, leves, soltos e esperançosos. Cheios de vida, boas recordações
dos tempos do medo e perplexos com o retorno intrigante. Em que haveriam de
acreditar? No acaso, no destino ou na mera coincidência de dois corpos que
andavam translúcidos deixando-se atravessar pela luz. Não se permitiam enxergar
de fato o mundo animado. Mas ao menos deixavam-se atravessar pela luz. Passado
o tempo só restava tentar não pensar muito e viver a condição de sentir o
agora, planejar o depois sem hesitar por medo de errar, pois dessa vez não
existiria espaço para conjecturas e o que sobrava era vontade de dar certo.
Ambos eram atores da mesma peça teatral. Dois lados da mesma moeda. Dois
pensamentos de uma só lógica. Lembranças idênticas do mesmo filme. Sentidos
aguçados na mesma nota musical. Palavras faladas antes mesmo o pensar do outro.
Desta forma, seguiam alegres e certos do advir do tempo. Estavam próximos a
dias de sol.